
O que a palavra células-tronco desperta em você? A maioria das pessoas aprendeu a associá-la à esperança. As células-tronco parecem pertencer apenas ao universo das boas notícias, das histórias de perspectiva de cura, de avanço científico, de criatividade transformadora. Mas a realidade começa a mostrar que elas também podem produzir decepção e dor. Um estudo perturbador foi publicado nesta semana no periódico científico PLoS Medicine. Pela primeira vez, cientistas comprovaram que um implante de células-tronco gerou um tumor cerebral. Um garoto de origem marroquina que mora em Israel participou de uma experiência com células-tronco na Rússia em 2001. Aos 9 anos, ele foi levado pela família a Moscou. Os pais tinham a esperança de reverter uma doença neurológica degenerativa chamada de ataxia-telangiectasia. É uma enfermidade terrível, que provoca tremores, paralisia e morte. As células-tronco extraídas de fetos abortados (e não de embriões de cinco dias) foram colocadas diretamente no cérebro do garoto durante uma neurocirurgia. Também foram injetadas em sua medula espinhal em outros procedimentos realizados em 2002 e 2004. A experiência não produziu nenhum benefício – apenas frustração. A doença continuou progredindo. E o adolescente ainda teve de enfrentar uma cirurgia delicada para retirada de um tumor cerebral. Por sorte, ele era benigno. Outras lesões menores também foram identificadas no cérebro. Nenhuma delas era maligna. Mas poderiam ser. Os tumores foram analisados geneticamente. Os pesquisadores descobriram que eles eram diferentes do padrão genético do garoto. Ou seja: só podem ter sido originados das células-tronco extraídas dos fetos. “Nossa descoberta não significa que a pesquisa com células-tronco para uso terapêutico deva ser abandonada”, escreveu a autora do trabalho, Ninette Amariglio, da Universidade de Tel-Aviv, em Israel. “Significa que é preciso fazer extensas pesquisas sobre a biologia das células-tronco e estudos pré-clínicos rigorosos antes de oferecer qualquer tipo de terapia aos pacientes.” Cautela é fundamental. Entendo que pessoas em desespero recorram a qualquer recurso para tentar salvar familiares que estão visivelmente caminhando para a morte. Talvez eu fizesse o mesmo. O que não entendo é como médicos e cientistas se prestam a aventuras como essa. Como têm coragem de oferecer “terapias” com células-tronco nesse momento se a ciência ainda sabe tão pouco sobre como domá-las? E o pior de tudo: ainda cobram para transformar esses pacientes em cobaias. A imprensa brasileira (e mundial) tem uma parcela de culpa nessa história. Muitas reportagens exageram no entusiasmo ao relatar as perspectivas abertas por essa área emergente. E deixam de mencionar – com o destaque necessário – que as pesquisas com células-tronco embrionárias estão apenas começando, que os cientistas estão muito longe de ter alguma coisa a oferecer aos pacientes (se é que terão algum dia) e que não há nenhuma garantia de sucesso. As tão aguardadas terapias com células-tronco podem simplesmente não dar em nada e cair no mesmo limbo da terapia gênica – que foi tão festejada na década passada, mas ainda não curou ninguém. Nem sempre a imprensa faz as ressalvas necessárias. Entendo que seja difícil fazer isso em poucos segundos ou em poucas linhas. Mas os jornalistas e os cientistas não devem desperdiçar a chance de desmontar o castelo de sonhos que a sociedade criou em torno dessas “sementes mágicas”. Elas podem transformar a medicina, mas nada disso é para já. Fiquei comovida com uma história que ouvi do neurocientista Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Stevens faz parte do reduzido grupo de cientistas brasileiros que começam a multiplicar células-tronco embrionárias no Brasil. É um pesquisador que lida com ciência básica. Com uma jovem equipe muito motivada, Stevens está aprendendo a domar essas células. No ano passado, o grupo dele conseguiu criar neurônios a partir de células-tronco embrionárias importadas dos Estados Unidos. Foi o suficiente para que Stevens começasse a ser visto como um salvador da pátria por tantas famílias em desespero. Um rapaz viajou do Nordeste para o Rio de Janeiro e bateu na porta do laboratório de Stevens sem avisar que viria. Deve ter ficado decepcionado com o laboratório modesto de apenas 67 metros quadrados onde trabalham 16 pessoas. O moço queria que o cientista injetasse células-tronco no irmão dele, que sofre de esclerose lateral amiotrófica, a terrível doença do cientista britânico Stephen Hawking. Stevens não é médico, não tem a menor experiência clínica. É um cientista. Passa as semanas observando as células-tronco sob o microscópio e testando estratégias para melhorar a multiplicação e a transformação delas em diferentes tipos celulares. Não tem a menor condição de injetar coisa nenhuma em ninguém. “Nenhum pesquisador pode fazer isso com células-tronco embrionárias nesse momento”, diz Stevens. “Entendo que as famílias estejam desesperadas, mas um implante desses pode matar o paciente”, afirma. Em janeiro, as autoridades americanas aprovaram a primeira experiência terapêutica com células-tronco embrionárias em pessoas que sofreram lesão medular. É a primeira do mundo. Se funcionar, a terapia criada pela empresa Geron será um grande avanço. Mas os testes de segurança e eficácia ainda vão levar muito tempo. No Reino Unido, a empresa ReNeuron, também anunciou que até o final de 2009 vai iniciar o primeiro ensaio clínico em pacientes britânicos que sofreram derrame cerebral. Caso tudo dê certo, ainda vai demorar alguns anos até que uma terapia esteja disponível comercialmente. Antes de tudo isso, é possível que as células-tronco sirvam para uma outra coisa muito importante: o teste de novos remédios. Em vez de testar em pessoas se as novas drogas são tóxicas, os laboratórios poderão experimentá-las em células idênticas às dos órgãos afetados pelos remédios. E também poderão usar as células-tronco para desenvolver medicamentos mais eficazes. Tudo isso é possível - e me parece mais plausível no curto prazo do que curas milagrosas. O importante é que os cientistas tenham tempo, dinheiro e liberdade para pesquisar. E que a sociedade não se deixe levar por ilusões. No fundo, no fundo, tenho minhas dúvidas sobre essa “revolução” que tanta gente espera que as células-tronco proporcionem. Será que alguém vai mesmo voltar a andar? Será que órgãos inteiros serão mesmo construídos em laboratório? O que é fantasia e o que é perspectiva nessa história toda?